Breve recordatório: Nos últimos 40 anos houve inversão de ciclos de desempenho dos mercados acionistas norte-americano e do Resto do Mundo, mas houve uma descolagem dos EUA nos últimos 10 anos
O melhor desempenho dos EUA face à Europa e ao Resto do Mundo neste ciclo foi fundamentalmente acompanhado, ou por outras palavras traduziu, diferenças nos crescimentos dos resultados das empresas
Mas também há diferenças importantes de avaliação dos mercados, cotando os EUA a níveis mais elevados do que o Resto do Mundo
4 Fatores explicativos do maior crescimento de resultados e de avaliações mais exigentes nos EUA face ao Resto do Mundo
#1 Atuação mais concertada, agressiva e consistente das políticas económicas
#2 Gestão empresarial mais orientada para criação de valor acionista
#3 Diferenças na composição setorial dos índices
#4 Diferenças de concentração dos índices
Na Parte I deste artigo, vimos que:
– Nos últimos 100 anos, os mercados acionistas dos vários países desenvolvidos têm tido rendibilidades médias anuais diferentes, mas com desvios pouco acentuados exceto nos períodos e para os países mais impactados nas duas grandes guerras;
– Os mercados evoluem por ciclos, alternando-se os períodos de desempenhos superiores entre os mercados norte-americano e o resto do mundo;
– Desde a GCF o desempenho dos mercados acionistas norte-americanos tem sido muito superior ao dos restantes países desenvolvidos,
colocando-se então as seguintes questões que iremos abordar nesta segunda parte:
O que está por detrás deste sobre desempenho? Será que este recente sobre desempenho do mercado acionista norte-americano face ao resto do mundo – Europa e Ásia, em particular – está para durar ou, pelo contrário, pode esperar-se uma reversão para a média?
Neste artigo iremos ver que esta situação tem paralelo na evolução dos resultados das empresas norte-americanas face às suas congéneres de outros países e regiões, em particular da Europa.
As empresas dos EUA mostraram-se mais rentáveis e criaram mais valor para os acionistas através de uma gestão de custos mais eficaz e de uma distribuição de resultados mais eficiente. Beneficiaram também de políticas económicas, monetárias e fiscais, mais favoráveis ao crescimento. Além disso, o mercado dos EUA tem uma composição e uma concentração ao nível setorial e individual das suas empresas constituintes, pelo maior peso do setor tecnológico e de algumas destas empresas de maior capitalização bolsista mundial, que acentuam este enviesamento.
Analisadas as diferenças, é difícil concluir-se que o mercado norte-americano está mais caro ou vulnerável do que os demais, particularmente o europeu. Assim, no futuro próximo, não se prevê uma inversão de ciclo ou reversão para a média a curto prazo, mas antes uma maior sincronia entre os vários mercados regionais.
Breve recordatório: Nos últimos 40 anos houve inversão de ciclos de desempenho dos mercados acionistas norte-americano e do Resto do Mundo, mas houve uma descolagem dos EUA nos últimos 10 anos
Começamos por recordar brevemente os ciclos de desempenho dos mercados acionistas nas últimas décadas.
Nos últimos 40 anos, os EUA e o Resto do Mundo tiveram ciclos em que alternaram a liderança de desempenho:
A década de 90 foi do Resto do Mundo, os anos 90 até à crise tecnológica foram dos EUA, a seguir e até à Grande Crise Financeira voltou a ser do Resto do Mundo e após esta crise e até à data tem sido dos EUA.
O gráfico seguinte apresenta o desempenho relativo dos mercados acionista americano comparado com o do Resto do Mundo nos últimos 50 anos, evidenciando bem o forte desempenho relativo do recente ciclo nos EUA associado ao boom das FAANG:
No período entre 1970 até 1990, os EUA tiveram pior desempenho sobretudo pela valorização excecional do continente asiático, nomeadamente do Japão, dos tigres asiáticos, da China e da Índia.
Entre 1990 e 2000, a situação inverteu-se com o declínio do Japão e o crescimento da primeira vaga de empresas de tecnologia de informação. Esta fase culminou precisamente com a bolha dot.com, a qual foi responsável pelo pior desempenho dos EUA até ao fim da Grande Crise Financeira em 2008.
A partir de 2009, os EUA têm mostrado um desempenho superior imparável.
A primeira questão que se levanta é o que esteve por detrás destes ciclos, em particular, diferenças no crescimento dos resultados das empresas ou dos padrões e métricas de avaliação dos mercados.
O melhor desempenho dos EUA face à Europa e ao Resto do Mundo neste ciclo foi fundamentalmente acompanhado, ou por outras palavras traduziu, diferenças nos crescimentos dos resultados das empresas
Boa parte da explicação desta diferente performance reside em diferenças na evolução dos resultados por ação das empresas.
No gráfico seguinte temos a evolução dos resultados por ação das empresas dos principais índices dos mercados acionista norte-americano e europeu, designadamente do S&P 500 e do Eurostoxx 50, entre 2009 e 2019:
Vemos que neste período os resultados por ação das empresas cresceram 150% nos EUA enquanto que na Europa se mantiveram estáveis.
Se alargarmos o período de análise, podemos concluir que este paralelo nunca foi tão evidente como neste ciclo.
No gráfico seguinte temos a evolução do crescimento dos resultados das empresas desde 1994:
Também aqui vemos que desde 2009 os resultados por ação das empresas norte-americanas têm crescido mais do que as europeias. O ciclo de 2000 a 2007 foi mais Europa, mas com um período entre 2002 e 2004 em que as empresas dos EUA estiveram melhor. No período anterior, a Europa também esteve melhor.
Mas também há diferenças importantes de avaliação dos mercados, cotando os EUA a níveis mais elevados do que o Resto do Mundo
No entanto, neste ciclo, a par das diferenças de crescimento dos resultados, também se acentuaram as diferenças de avaliação.
O gráfico seguinte mostra a evolução do rácio do preço pelo valor contabilístico das empresas constituintes do S&P 500 versus as do Resto do Mundo entre 1995 e 2017:
Desde 2009, este rácio de múltiplos de avaliação entre o índice dos EUA e do Resto do Mundo subiu de 1,2 para um valor superior a 2, ou seja, aumentou 66,7%.
A seguir apresenta-se a evolução dos rácios de CAPE de Schiller para os EUA e a Europa entre 1985 e 2019:
Vemos também que desde 2009 o CAPE dos EUA subiu de 15x para 30x, ou seja, duplicou, enquanto o da Europa subiu de 10x para 15x, isto é, 50% ou somente metade.
A tabela seguinte mostra o posicionamento em termos dos múltiplos de avaliação mais correntemente utlizados nos principais países ou regiões, em 30 de setembro de 2020, face à média dos últimos 15 anos:
Segundo estes dados, quase todos os mercados acionistas estão a transacionar bem acima dos valores médios históricos, com exceção do Japão e dos mercados emergentes, sendo esta situação mais acentuada nos EUA.
Esta situação de avaliação mais exigente em termos históricos em quase todos os países deve-se ao facto de vivermos num contexto de taxas de juro muito baixas, que diminuem o prémio de risco requerido pelos investidores, e de resultados das empresas deprimidos devido ao efeito da pandemia.
A mais exigente avaliação do EUA face aos demais também se poderia justificar pelas melhores perspetivas de crescimento económico e dos resultados das empresas.
Contudo, o gráfico seguinte mostra um sinal de alerta quanto à avaliação do mercado acionista norte-americano:
Dum modo geral, a rentabilidade das empresas e o índice S&P 500 têm mostrado uma evolução sincronizada desde 1955. No entanto, a partir de 2017 surge um desfasamento, associado á forte valorização das FAAMG.
A melhor evolução de resultados e a mais exigente avaliação resultaram de 4 conjuntos de fatores: a ação das políticas económicas, a atuação dos gestores, a composição setorial dos índices e a concentração dos índices.
4 Fatores explicativos do maior crescimento de resultados e de avaliações mais exigentes nos EUA face ao Resto do Mundo
#1 Atuação mais concertada, agressiva e consistente das políticas económicas
Em resposta à Grande Crise Financeira todos os países do mundo adotaram praticamente a mesma receita, políticas expansionistas, no plano monetário e fiscal, sendo que as primeiras assentaram na descida das taxas de juro e em programas de compra de ativos.
Começamos por ver no gráfico seguinte a evolução das taxas de juro oficiais, as dos bancos centrais desde 2007:
O Banco central dos EUA, a FED, foi o primeiro a agir no início de 2008, trazendo a taxa para níveis próximos de zero e mantendo-a assim até assegurarem a estabilidade económica, no final de 2015. Os bancos centrais da Europa e do Japão só o fizeram um ano mais tarde e em 2014, introduziram inclusivamente taxas de juro negativas que ainda hoje se mantêm. Estas taxas negativas induzem distorções nas economias e nos mercados, permitindo o prolongar a existência de empresas em financeiramente desequilibradas ou mesmo zombie.
No gráfico abaixo temos a evolução dos programas de expansão monetária nas principais regiões do mundo desde 2007:
Imediatamente em resposta à Grande Crise Financeira, a partir de 2008 os EUA adotaram políticas de expansão monetária muito agressivas, conhecidas por programas de Acomodação Quantitativa ou de “Quantitative Easing” para dar liquidez à economia e estimular o crescimento. No total foram 3 programas, em 2008, 2011 e 2013, e mais recentemente um quarto, associado à crise pandémica.
Numa fase inicial, a Europa até reagiu como os EUA, mas abandonou e até retraiu estes programas com o surgimento da crise das dívidas soberanas em 2011, retomando-o apenas em 2015. A China também agiu prontamente, mas só até 2015. O Japão teve uma atuação mais gradualista e prolongada.
Quanto à atuação da política fiscal, apresenta-se no gráfico seguinte a evolução dos déficits orçamentais (à direita) e dos rácios da dívida pública (à esquerda) entre 2007 e 2019:
Os EUA têm mantido déficits mais acentuados do que as outras regiões desde o início. A zona Euro foi muito menos agressiva e o Japão teve uma atuação a meio caminho.
A zona Euro teve inclusive uma atuação inconsistente:
Face ao surgimento da crise das dívidas soberanas, a zona Euro exigiu a implementação de medidas de austeridade, a todos os países e muito em particular àqueles mais vulneráveis e sob assistência financeira, entre 2011 e 2014, como se pode ver da evolução dos déficits nos países do Sul da Europa e da Irlanda.
#2 Gestão empresarial mais orientada para criação de valor acionista
Em segundo lugar, as empresas norte-americanas adotaram estratégias mais favoráveis à criação de valor acionista do que as europeias.
As empresas dos EUA desenvolveram rapidamente fortes programas de redução de custos nos setores mais atingidos, como o financeiro e o automóvel o que só bastante mais tarde veio a suceder na Europa.
Adicionalmente, os gestores norte-americanos prosseguiram programas intensos de compra de ações próprias, fiscalmente mais eficientes do que a distribuição de dividendos, o que não ainda hoje é tradição europeia.
Estes programas de compra de ações próprias, assim como uma forte atividade de fusões e aquisições, foram realizados por meio do aumento da alavancagem financeira das empresas num contexto de baixas taxas de juro.
#3 Diferenças na composição setorial dos índices
Em terceiro lugar, o desempenho também reflete uma diferente composição setorial dos mercados acionistas geográficos.
Na tabela seguinte temos a composição setorial dos índices MSCI norte-americano e europeu e o efeito que tiveram no desempenho entre 2009 e 2019:
O índice norte-americano tem um maior peso de setores que tiveram um melhor desempenho relativo e vice-versa, sendo os casos mais expressivos os setores da tecnologia de informação (+14,8%), o financeiro (-6,7%) e de matérias-primas (-4,9%). Além disso, os desempenhos desses setores foram melhores nos EUA do que na Europa.
#4 Diferenças de concentração dos índices
Em quarto lugar e por último, o desempenho diferente foi agravado pelo maior grau de concentração e pelo efeito das mega capitalizações de empresas em setores pujantes nos EUA:
Entre 2015 e 2020, o índice S&P 500 sem as ações FAANMG (Facebook, Apple, Alphabet ou Google, Amazon, Netflix e Microsoft) teve uma diferença de valorização de apenas 25% face ao índice do Resto do Mundo MSCI ACWI ex-US. A grande diferença residiu na valorização das ações FAANMG e do respetivo impacte no índice de 225% naquele período (estas ações pesam mais de 25%).
Em conclusão, o melhor desempenho dos EUA face ao Resto do Mundo resultou fundamentalmente de melhor desempenho dos resultados das empresas, mas também foi acompanhado por uma avaliação mais exigente.
Os 4 fatores que mais contribuíram para esta situação foram a melhor gestão de políticas económicas (evitando o ziguezague dos problemas de dívida soberana na Europa e do abrandamento económico nos países emergentes), gestão empresarial mais agressiva, e ao boom das FAAMNG e outras grandes empresas mundiais de tecnologia, de base americana.
A questão está em saber se este desfasamento é justificado e sustentável, ou se teremos uma correção tal como sucedeu quando da bolha tecnológica.
A resposta com certezas a esta questão só o futuro nos dirá.
Contudo, a nossa opinião é de que não se perspetiva uma significativa reversão do ciclo dos mercados acionistas entre EUA e Resto do Mundo no curto prazo. Ao invés, pensamos que iremos ter um desempenho positivo e mais sincronizado em todas as regiões do mundo, EUA, Europa, Ásia e Austrália.
Os múltiplos mais elevados podem justificar-se por prémios de risco e taxas de juros baixas e resultados deprimidos pela crise pandémica. A retoma do crescimento económico e as políticas económicas são muito favoráveis. FAAMG não é um epifenómeno, mas antes uma realidade que está para ficar, já descontando o risco de uma maior regulação tecnológica ou RegTech.
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