Tentações, vícios e outras armadilhas de procurar escolher os momentos do mercado de ações
O que é procurar os momentos do mercado (“market timing”)?
Quais são as implicações do “market timing”?
#1 Perdemos dinheiro
#2 Perdemos dinheiro também porque corremos atrás das rendibilidades
“Se puder olhar para as sementes do tempo, e dizer que grão vai crescer e o que não vai, fale comigo.” —William Shakespeare, Macbeth
“A única função da previsão económica é fazer a astrologia parecer respeitável.” — John Kenneth Galbraith
“Ele era o maior, o Maestro. Só se olharmos para o seu registo, ele estava errado sobre quase tudo o que ele alguma vez previu.” economista sobre Alan Greenspan
Este artigo é o primeiro de um conjunto de artigos dedicados ao tema de se procurar escolher os tempos do investimento no mercado de ações.
Muitos consideram que se deve escolher os momentos para se estar investido nos mercados acionistas, ou seja, fazer o “market timing”.
Por outras palavras, devemos estar investidos nos ciclos positivos dos mercados e desinvestir nos ciclos negativos.
Obviamente, esta ideia parte do pressuposto que conseguimos antecipar os momentos e os ciclos dos mercados.
Nós somos de opinião que não é possível fazê-lo, como iremos tentar provar.
Acresce que fazê-lo nos sai muito caro.
Enquanto investidores, estamos sujeitos a enviesamentos que nos levam a fazer o “market timing” com custos muito consideráveis.
Tentações, vícios e outras armadilhas de procurar escolher os momentos do mercado de ações
Os mercados financeiros, sobretudo os mercados acionistas, são voláteis.
Flutuam bastante no curto prazo e de vez em quando têm correções, com menor ou maior severidade.
Procurar comprar barato e vender caro não devia ser contestado.
Diferente é tentar comprar aos preços mais baixos e vender aos preços mais altos, que é o que o “market timing” procura fazer.
Se formos capazes de o fazer, não há nada a dizer, ou melhor, o que há a fazer é não dizer nada para ninguém copiar, e ganhar rios de dinheiro.
Contudo, muito poucos, ou mesmo nenhuns, o conseguem fazer de forma sistemática e consistente.
Quem faz “market timing”, enfrenta ainda outras questões: O que fazer quando não se está investido? Manter em “cash”? Por quanto tempo? Quando regressar aos mercados?
Normalmente sai-se tarde demais e também se reentra tarde demais.
Mesmo que haja alguém que tenha o dom, o engenho ou a sorte de sair a tempo de evitar uma correção acentuada, dificilmente conseguirá chegar a tempo de apanhar as primeiras fortes valorizações da retoma ou recuperação.
Isto porque são muitas as chamadas correções técnicas, de mais de 10%, que se misturam com as grandes correções, superiores a 20% (“bear markets”).
Muitas vezes, algumas pessoas nem esperam tanto.
Basta uma correção de 2 a 3% num dia ou de 5% a 7% acumulados alguns dias para ficarem ansiosos.
Frequentemente essas correções técnicas atingem mais de 10% ou 15% e os mercados retornam em grande força.
É a chamada reversão para a média.
Não nos devíamos sequer preocupar com estas correções porque são pequenas no contexto geral dos ganhos, demasiado frequentes para serem previsíveis, e qualquer reação que tenhamos, normalmente, é para perdermos dinheiro.
Mesmo as grandes correções, as das crises de mercados, superiores a 20%, são muito difíceis de prever.
Tão difíceis que quem o consegue fica na história como um dos poucos que o fez.
E mais importante, o que a história financeira nos diz é que o mercado acaba sempre por recuperar e fazer novos máximos.
Não sabemos o que é mais difícil, se fazer o “market timing”, ou se fazer o “stock picking”.
Estas tentativas são equivalentes a tentarmos acertar no olho da mosca ou no “jackpot” da lotaria.
O que é escolher os momentos do mercado (“market timing”)?
Escolher os tempos ou momentos do mercado é a estratégia de tomar decisões de compra ou venda de ações tentando prever a evolução futura dos preços de mercado.
A previsão pode basear-se numa perspetiva de mercado ou de condições económicas resultantes de análises técnicas ou fundamentais.
Trata-se de uma estratégia de investimento baseada nas perspetivas de um mercado agregado e não de um determinado ativo financeiro.
A hipótese de mercado eficiente é o pressuposto de que os preços dos ativos refletem toda a informação disponível, o que significa que é teoricamente impossível “bater sistematicamente o mercado”.
Quais são as implicações do “market timing”?
#1 Perdemos dinheiro
Está demonstrado que perdemos dinheiro ao tentarmos escolher os momentos para investirmos no mercado ou fazermos o “market timing”.
Segundo os estudos anuais da Dalbar, com o título Quantitative Analysis of Investor Behaviour”, os investidores perdem cerca de 1,5% por ano em consequência dos seus enviesamentos comportamentais, em que a procura do “market timing” é um dos seus maiores reflexos.
Os principais enviesamentos são a aversão à perda, a atualidade ou memória recente, a ilusão de controlo, o excesso de otimismo e o conservadorismo.
Todos resultam de comportamentos e ações de escolha dos “bons e maus” momentos do mercado.
A impulsividade das reações e a rotatividade das transações são as duas manifestações mais importantes dessa procura de “market timing”.
O investidor em ações perde no total cerca de 3,5% de rendibilidade média anual relativamente ao índice S&P 500, sendo a maior perda a dos enviesamentos comportamentais.
A perda total representa quase 40% da rendibilidade média do S&P 500.
E o comportamento enviesado do investidor representa cerca de 40% da perda total.
Estas perdas fazem-se sentir durante pelo menos 20 anos, o que tem um grande impacto na desvalorização dos capitais investidos devido ao efeito de capitalização dos rendimentos.
#2 Perdemos dinheiro também porque corremos atrás das rendibilidades
Outra evidência de que perdemos dinheiro a tentar fazer o timing do mercado é através da análise dos fluxos de fundos investidos no mercado.
O gráfico seguinte mostra a evolução dos fluxos de entrada e saída dos capitais investidos em fundos de investimento de ações pelos investidores individuais e as rendibilidades do índice S&P 500 entre 1995 e 2019:
Se atentarmos bem vemos que os investidores individuais começam a vender quando o mercado começa a cair.
E atingem o valor máximo das vendas acumuladas no momento em que o mercado começa a subir.
Isto significa que estes investidores estão pouco investidos quando o mercado está mais barato ou tem rendibilidades interessantes.
Os investidores vendem em baixa e compram em alta, fazendo precisamente o contrário do que pretendem e é ajuizado que façam.
O gráfico seguinte apresenta esta realidade de outra forma, apresentando os fluxos de capitais investidos nos fundos a par das rendibilidades do índice MSCI ACWI, que permite uma melhor evidência do que se disse:
Existe uma elevada correlação entre os fluxos de fundos e as rendibilidades do mercado de ações.
Compra-se quando o mercado sobe e vende-se quando cai.
O pior ainda é que quando cai, sobretudo nas crises (por exemplo, de 2000 e 2007), as vendas começam após algumas quedas e continuam em passo acelerado até ao mercado atingir os mínimos.
Ou seja, os investidores vão vendendo nas quedas e acabam por vender mais aos preços mais baixos.
Ocorre a chamada capitulação, momento em que os investidores não resistem às perdas e vendem quase tudo.
Depois, quando o mercado começa a recuperar, os investidores praticamente não atuam. Só após algum tempo de valorizações do mercado é que começam a comprar, perdendo a forte recuperação inicial.
Isto demonstra que os investidores fazem “market timing”, ou seja, vão atrás do mercado (“chase the market”).
Investem mais quando o mercado está a subir e desinvestem quando desce.
Esta realidade está bem evidente também no gráfico seguinte que mostra a evolução do S&P 500 com as percentagens de alocação a fundos de investimento monetários pelos investidores individuais entre 1993 e 2021:
Os investidores correm atrás do mercado, comprando quando sobe muito e vendendo quando cai muito.
Os investidores individuais acabam por estar menos investidos – maior alocação a liquidez – quando o mercado começa a recuperação, assim como por estar excessivamente investidos – menor alocação a liquidez – quando o mercado está em máximos.
Na segunda parte deste artigo iremos desenvolver o tema da impossibilidade de fazermos o “market timing” e abordaremos duas outras consequências que resultam em perdas ainda superiores a estas.