Muitas vezes somos bombardeados com as razões e previsões de crises bolsistas
Há sempre muitos momentos e muitas razões diferentes para vendermos e não estarmos investidos no mercado de ações
Esta instabilidade traduz-se na redução do tempo de investimento em ações, o qual tem vindo a diminuir desde os anos sessenta e está em níveis mínimos
Num artigo anterior vimos que é difícil, senão mesmo impossível, prevermos a evolução dos mercados de ações no curto prazo e investirmos nos seus melhores momentos.
Esta ideia tem muitos custos e perdas.
A conclusão que retiramos é que em vez de tentarmos acertar nos momentos dos mercados, o melhor é maximizarmos o tempo investido nos mercados.
Noutro artigo vimos que os mercados de ações são voláteis.
Têm ciclos, uns mais curtos e outros mais longos.
Há correções técnicas frequentes ou até algumas crises.
Mas no fim do dia, revertem sempre para a média. Ou melhor ainda, recuperam sempre das correções e fazem novos máximos.
Esta conclusão reforça a importância de maximizarmos o tempo investido.
Agora, neste artigo, vamos ver como somos muitas vezes tentados a alterar o nosso rumo e a cometermos erros que nos custam caro.
Na segunda parte, que publicaremos num artigo em paralelo, analisamos o que podemos fazer para combatermos estes enviesamentos comportamentais e como devemos atuar perante as correções do mercado.
Muitas vezes somos bombardeados com as razões e previsões de crises bolsistas
“Os movimentos diários do mercado de ações são como um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, mas sem significar nada.” – John Bogle, fundador da Vanguard
Nas notícias do dia-a-dia, mesmo as especializadas, parece que há quase sempre boas razões para vender os investimentos nos mercados financeiros.
O gráfico seguinte mostra o exemplo de alguns eventos muito mediáticos ocorridos só desde março de 2009 que segundo alguns justificavam essa venda:
São várias dezenas de eventos, e de motivos bem diferentes.
Desde falências de empresas, desastres naturais, crashes técnicos na negociação, crises de dívida púbica, etc., uma multitude de diversas situações económicas, financeiras e políticas, e só nos maiores países desenvolvidos.
Algumas dessas previsões ficaram para a história.
Na maioria como flops, uma vez que não se concretizaram.
Houve casos em que se materializaram, mas muitos anos mais tarde.
Entretanto os mercados continuaram a subir e quem tivesse vendido teria perdido esses ganhos.
Houve quem acertasse nas previsões. Quer na direção, quer no tempo. Porém, foram casos muito raros, verdadeiramente excecionais.
Por exemplo, Nouriel Roubini (em 2005 e 2006), Michael Mayo (1999), Raghuram Rajan (2005-2006), Paul Singer (2006), Janet Yellen (princípio 2007), Warren Buffett (2006 e 2006) e John Paulson (2006) previram a Grande Crise Financeira de 2007.
Contudo, essas pessoas normalmente não conseguem repetir esses feitos.
Em suma, há sempre boas razões para vender.
Na verdade, demasiadas. E se vendêssemos, na maioria dos casos perdíamos.
Há sempre muitos momentos e muitas razões diferentes para vendermos e não estarmos investidos no mercado de ações
As profecias de crises, assim como as suas opostas, ou seja, de ganhos extraordinários, estimulam os nossos enviesamentos comportamentais e podem levar-nos a grandes perdas.
Num artigo vimos que esses enviesamentos pessoais são o nosso maior inimigo e partimos para o desenvolvimento de uma série de artigo que abordam alguns dos principais enviesamentos.
Nestes apresentámos alguns a que vale a pena estarmos atentos permanentemente, tais como a aversão à perda, o seguidismo ou manada, a atualidade ou memória recente, o ruído dos media, a confirmação, o cálculo mental, a familiaridade, excesso de confiança, o enquadramento, a ancoragem, o arrependimento, etc.
O gráfico seguinte mostra a evolução da valorização de um capital de $100.000 investido do mercado de ações norte-americano, em termos reais, entre 1990 e 2020:
Na primeira década (1990-2000), registou-se uma boa valorização, na segunda (2000-2010) uma perda e na terceira (2010-2020) os ganhos foram mesmo muito fortes.
A questão é que normalmente os investidores perseguem e vão atrás do mercado.
Investem a totalidade do que têm quando o mercado está em máximos e vendem tudo quando está nos mínimos.
Assim, os seus investimentos no mercado ultrapassam a alocação normal e adequada na subida e ficam muito abaixo daquela na queda.
Afastam-se da sua alocação adequada.
Saem do meio termo e entram nos excessos.
Parece uma verdadeira montanha-russa, da euforia à desgraça ou capitulação.
Os enviesamentos são normais. Afinal, nós somos humanos.
O que não deve ser normal é a reação resultante.
O gráfico seguinte mostra como os nossos comportamentos são influenciados pelas notícias, com base na evolução do S&P 500 desde 2000:
Em 10 de fevereiro de 1999, após uma década de bons ganhos, houve quem profetizasse que o índice Dow Jones poderia ir até aos 36,000.
Ainda hoje, passados mais de 30 anos, ainda não chegou lá.
A seguir veio a bolha tecnológica e o mercado perdeu mais de 50%.
Em 1 de janeiro de 2009, após dois anos de perdas acentuadas, os investidores atiram a toalha ao chão e vendem tudo.
São atingidos os mínimos.
Acabam as pressões vendedoras e praticamente só há compras de investidores institucionais ou profissionais.
Decorridos quase 4 anos após e recuperação, em fevereiro de 2013, começa a referir-se que o mercado está barato.
Em agosto do mesmo ano, havia duas opiniões opostas, uma que a economia estava numa encruzilhada e outra que iria ter um crescimento explosivo.
Entre 2014 e 2016 o mercado lateralizou-se e desde então não parou de subir até à pandemia em 2020.
Em 2019, havia quem admitisse que o “bull market” podia ter mais 10 anos.
Esta instabilidade traduz-se na redução do tempo de investimento em ações, o qual tem vindo a diminuir desde os anos sessenta e está em níveis mínimos
A amplificação das flutuações normais do mercado de ações pelos media provoca instabilidade dos investidores, e a alteração dos seus comportamentos.
Uma das principais manifestações é no próprio tempo de detenção dos investimentos.
No gráfico seguinte vemos como o tempo de detenção dos investimentos, medido pelo quociente entre a capitalização das ações e o volume negociado, tem evoluído desde 1930:
O período de detenção passou de 6 a 8 anos entre 1940 e 1980, para menos de 1 ano atualmente.
Sabemos que esta informação pode exagerar a verdadeira realidade, uma vez que estamos a falar do mercado como um todo, da ação de todos os seus agentes, e não dos investidores individuais.
Mesmo contando o facto de que muitos investidores institucionais têm uma alta rotação dos seus investimentos (e que, no fim, gerem fundos de investidores individuais!) e que a queda das comissões de negociação facilitou o aumento do volume pelos investidores individuais, a verdade é que a redução é muito substancial.
Pelo que, o mercado em geral e muitos investidores individuais são mais especuladores ou “traders” do que investidores.
Esta situação contrasta frontalmente com o comportamento de alguns dos melhores investidores profissionais de todos os tempos como vimos num artigo anterior.