Os excessos ou falhas de mercado criam bolhas que tendem a ser corrigidas com o tempo
O que são as ações “meme”
A euforia do movimento das ações “meme” faz disparar as cotações
Mas os mercados também têm a sua lei da gravidade e tudo o que sobe disparatadamente também cai muito
Há cerca de um ano publicámos três artigos sobre a recente democratização dos investimentos nos mercados acionistas, sobretudo nos EUA.
No artigo anterior, apresentámos a primeira parte, analisando a presença atual dos investidores individuais no mercado à vista e no das opções.
Concluímos que a tendência de democratização do mercado prossegue a bom ritmo, sendo globalmente positiva para o mercado e para os novos investidores.
Na segunda parte que agora iniciamos, iremos avaliar se alguns dos excessos que identificámos estão ou não a ser corrigidos.
Conhecer as tendências do mercado e a forma como funciona é importante para os investidores.
Só assim se pode compreender os aspetos centrais, e distinguir os movimentos normais de algumas das suas disfunções e distorções.
Os excessos ou falhas de mercado criam bolhas que tendem a ser corrigidas com o tempo
A longa história dos mercados financeiros tem tido várias bolhas, que decorrem de excessos ou falhas do mercado, desde os tempos das bolhas da negociação das tulipas em 1630 até às dos últimos 40 anos, como a do ouro, tecnológica, imobiliária etc.
Inevitavelmente essas bolhas depois de explodir, também implodem.
Vamos ver que os excessos ou falhas detetados também estão a ser corrigidos.
Na verdade, tem havido correções nas ações “meme”, nos IPO das SPAC, nas tecnológicas não rentáveis e até nas criptomoedas.
Nesta primeira parte, começamos com as ações “meme” e uma citação de Michael Burry sobre as mesmas:
“I don’t know when meme stocks such as this will crash, but we probably do not have to wait too long, as I believe the retail crowd is fully invested in this theme, and Wall Street has jumped on the coattails,” Burry told Barron’s (one of the first investors to spot and profit from the subprime mortgage crisis, “The Big Short” movie investor), July, 1, 2021
O que são as ações “meme”
Como vimos em artigos anteriores, no início do ano passado deu-se o surgimento nas ações meme, assim chamadas porque se trata de ações compradas por fenómeno de uma propagação de uma ideia, comportamento, estilo, cultura, imitação ou seguimento especialmente através dos social media.
No fundo é o investimento por um grupo de indivíduos crentes ou uma seita, dessa ideia.
Em janeiro de 2021 foram feitos investimentos massivos em ações da Gamestop, da AMC, da Blackberry e da Bed Bath and Beyond, entre outras.
Estes investimentos foram desencadeados e alimentados por vagas de mobilização de investidores individuais nas redes sociais, sobretudo a Reddit através da comunidade de 6 milhões de membros Wall Street Bets.
As ações selecionadas tinham em comum o facto de serem ações com as maiores posições curtas no mercado, tomadas por grandes investidores institucionais.
São ações de empresas em dificuldades económicas financeiras, muito endividadas e com resultados fracos ou mesmo negativos.
Nas operações curtas, aposta-se na descida das cotações.
O investidor pede as ações emprestadas e vende as ações no mercado.
Quando os preços das ações caem o investidor compra as ações no mercado, paga o respetivo empréstimo, e ganha pela diferença entre o valor de venda inicial mais alto e o da compra final mais baixo.
Por isso e muitas vezes, a mobilização dos investidores individuais propalou o desígnio de combater aos grandes investidores institucionais.
Os elevados e continuados volumes de compras dos investidores individuais provocaram uma grande pressão nos preços dessas ações que subiram de forma muito acentuada.
Estes aumentos de preço obrigaram os investidores institucionais com posições curtas a comprarem ações para minimizarem as perdas e reporem a liquidez em colateral das contas margem do empréstimo, o que promoveu novo aumento de preços. E assim sucessivamente.
É o chamado espremer ou afunilar o mercado (“short-squeeze”) ou acantonar ou cerrar o mercado (“corner the market”).
A euforia do movimento das ações “meme” faz disparar as cotações
Estes movimentos do mercado fizeram que algumas dessas ações registassem aumentos das cotações de centenas ou até de alguns milhares de pontos percentuais em janeiro e novamente por altura do verão:
Por exemplo, as ações da Gamestop subiram de $5 para $500 em seis meses.
Entretanto, algumas dessas empresas aproveitaram a subida das suas cotações para fazerem aumentos de capital e reforçarem a sua situação financeira.
Nalguns casos, os principais gestores também venderam parte das suas participações no capital da empresa.
A partir do verão do ano passado, o fenómeno começou a esmorecer por ausência da melhoria dos resultados das empresas.
Ainda assim, no final do ano, para muitas dessas empresas os ganhos ainda eram consideráveis, até porque o mercado de ações em geral estava muito positivo.
Mas os mercados também têm a sua lei da gravidade e tudo o que sobe disparatadamente também cai muito
Na primeira metade deste ano, as descidas de preço acentuaram-se, como seria de prever.
O ambiente mais negativo dos mercados fez com que estas ações mais vulneráveis fossem das primeiras a cair e de forma muito acentuada, como podemos ver na evolução dos preços de um cabaz de ações até final de abril deste ano:
Todas as ações meme têm vindo a corrigir os excessos cometidos na primeira parte do ano passado:
A maior parte dessas ações já corrigiu boa parte desses excessos.
No entanto, há ainda ações que ainda mostravam valorizações da ordem das centenas de pontos percentuais relativamente aos níveis do passado.
São os casos da AMC e a Gamestop, precisamente as ações que estiveram no epicentro do fenómeno, apesar do facto de terem perdido entre 70% a 80% dos seus níveis máximos.
Dum modo geral, o desafio da lei da gravidade ´do investimento em ações “meme” durou pouco mais de um ano.
Alguns investidores individuais ganharam e muitos outros perderam.
Os pequenos investidores podem reclamar uma vitória moral.
Em maio deste ano, a Melvin Capital, um dos principais investidores institucionais com as maiores posições curtas nessas empresas acabou por sucumbir após ter registado mais de 3 mil milhões de dólares de prejuízos.
Todas as ações têm um valor fundamental ou intrínseco. No longo prazo, o preço tende para esse valor. No curto prazo, há desvios, por defeito ou por excesso. Por isso, é importante para o investidor comprar a um valor justo e com margem de segurança.
Na segunda parte deste artigo abordaremos o tema dos IPO das SPAC, outra manifestação dos excessos de mercado de 2020.