Covid-19 provoca disrupção nas economias e nos mercados
Combate à pandemia do Covid-19 provoca uma grande paralisação económica, com contrações do PIB e aumentos de desemprego sem precedentes, e impacte generalizado nos mercados financeiros, cuja resolução passa pelas soluções de saúde pública ainda muito incertas
Índice
Desempenhos dos mercados financeiros
Principais riscos
Sumário executivo
Contração económica do PIB mundial de 3% em 2020 e crescimento de 5,8% em 2021, sendo de -6,1% e 4,5% nas economias avançadas, e de -1,0% e 6,6% nas economias emergentes, respetivamente, de acordo com as últimas previsões do FMI de 14 de abril.
Os primeiros indicadores económicos instantâneos e avançados indiciam uma severidade da crise económica atual ao nível da Grande Depressão, e a divulgação do início de maio dos que têm a maior correlação histórica com os mercados acionistas será muito importante.
Políticas fiscais e monetárias expansionistas sem paralelo nas maiores economias, em apoio das empresas e famílias afetadas, com redução das taxas de juro oficiais e programas de compra de ativos de grande extensão pelos bancos centrais.
As condições financeiras deterioraram-se e os principais riscos geopolíticos estão suspensos pela pandemia.
Mercados acionistas caem e abruptamente e recuperam parte, com volatilidade ao nível da GCF e menor volume transacionado, reagindo às ações de política económica, às intenções de retoma da atividade dos vários países e às notícias de contenção médica do vírus.
Mercados de crédito em queda transversal, com aumento significativo dos spreads de risco para rating de qualidade e sobretudo especulativo, e taxas de juro do tesouro das maiores economias em mínimos históricos devido à procura de ativos de refúgio (tal como o ouro).
As principais oportunidades são a antecipação das soluções médicas que permitam uma retoma e normalização mais rápidas nos EUA e Europa, maior crescimento da China, e intensificação ainda maior das políticas monetárias (“whatever it takes”).
Os principais riscos são um crescimento económico inferior ao esperado no mundo desenvolvido devido a um prolongamento da pandemia, uma possível crise europeia por desacordo Norte-Sul relativamente às medidas de solidariedade económicas e financeiras, e um agravamento dos desequilíbrios macro nalguns grandes países emergentes, e entesouramento pelas famílias
Este cenário favorece uma atuação mais defensiva do que a alocação central de cada investidor relativamente às diferentes subclasses de ativos dos mercados financeiros, via aumento da liquidez, e com uma alocação preferencial ao mercado acionista dos EUA versus Resto do Mundo.
Desempenho dos mercados financeiros 1T2020
Economia mundial robusta e em aceleração no início do ano enfrenta choque pandémico (Covid 19), cuja resposta exige grande paralisação da atividade e provoca desvalorizações dos mercados de dívida e acionistas entre 10% a 40%
Depois de um excelente 2019 em quase todos os segmentos dos mercados acionistas e obrigacionistas, o primeiro trimestre trouxe-nos o reverso da medalha devido ao impacte económico e financeiro provocado pelo surgimento e alastramento da pandemia Covid-19, que superou amplamente a robustez e potencial do quadro macroeconómico de partida.
A agravar a situação, o desequilíbrio do mercado do petróleo provocou uma descida de preço de 50% no ano, mesmo depois do acordo de corte na produção da OCDE+ de meio de abril.
Os mercados obrigacionistas e acionistas caíram entre 10% e 40% dos níveis máximos até 23 de março e recuperaram metade desse valor desde então com a resposta das políticas económicas e os sinais positivos mais recentes de contenção da pandemia e reabertura das economias.
Fonte: World Economic Outlook April 2020, IMF
Fonte: World Economic Outlook April 2020, IMF
Fonte: World Economic Outlook April 2020, IMF
Fonte: World Economic Outlook April 2020, IMF
Fonte: World Economic Outlook April 2020, IMF
Covid 19
Pandemia severa iniciada em janeiro/fevereiro na China, com rápido alastramento para Sudeste Asiático e todo o mundo, particularmente Europa (Itália, Espanha e Reino Unido) e EUA
O vírus Covid-19 inicia-se na China e alastra para Sudeste asiático, e em seguida para um pouco por todo o mundo, com maior severidade na Europa Ocidental (em particular Itália, Espanha, França e Reino Unido) e EUA, transformando-se numa pandemia.
Tem altas taxas de propagação, contágio e letalidade e não há tratamento eficaz ou vacina disponíveis (provavelmente só na Primavera de 2021), sendo combatido com distanciamento social, deteção pronta (testes) e hospitalização de casos críticos, a nível mundial.
Atualmente, a China está quase sem casos e retomou atividade recentemente no epicentro em Wuhan, as economias avançadas estão ainda em fase ascendente com menor declive ou de plateau, maioritariamente em confinamento e a começar a equacionar reabertura, e Japão acaba de declarar Estado de Emergência nacional (16/04/20).
Começam a produzir-se testes serológicos de imunidade em larga escala em todo o mundo (Abbot nos EUA e outras farmacêuticas regionais na Europa e Ásia).
Várias dezenas de laboratórios farmacêuticos e de investigação em todo a mundo estão a testar vacinas em animais e alguns já em humanos, sendo opinião de especialistas em saúde pública que a disponibilidade de vacinas é estimada para daqui a 12 a 18 meses, (no melhor cenário, Primavera de 2021).
Contexto macroeconómico
Em resultado do brutal aumento da severidade da pandemia, a resposta de quase todos os países do mundo para evitar a propagação e o contágio foi a quarentena e o confinamento, que resultaram numa paralisação “de facto” de grande parte da atividade econômica.
Como resultado da pandemia, espera-se que a economia global contraia acentuadamente -3,0% em 2020, muito pior do que durante a crises financeira de 2008/09 (estima-se que a contração do PIB seja de 2% a 3% por cada mês de paralisação).
No cenário de base, que pressupõe que a pandemia desapareça no segundo semestre de 2020 e os esforços de contenção possam ser em grande parte mitigados, a economia global deverá crescer 5,8% em 2021, à medida que a atividade económica se normaliza, apoiada pelo suporte das autoridades de política fiscal e monetária.
A paralisação da atividade tem impacte económico e financeira transversal, mas muito diferenciado em termos setoriais, atingindo fortemente os setores de turismo, lazer, consumo discricionário e banca, e em pouco grau o consumo alimentar, as utilities, telecomunicações e tecnologia.
Sendo muito difícil estimar o impacte desta crise económica pela própria natureza (saúde), extensão (global), dimensão (paralisação) e duração (tempo) da crise, as atuais previsões são de uma contração do PIB EUA e mundial superior à da Grande Depressão, mas com uma recuperação mais rápida (de 1 a 2 anos em vez de 4 a 5 anos).
A inflação está controlada em todo o mundo.
Contexto microeconómico
Os primeiros dados económicos instantâneos e avançados que foram divulgados são muito negativos: Global Composite PMI de março com queda acentuada de 46.1 para 39.4, próximo do valor mínimo de 36.5 registado na CGF; US Jobless Claims (mais de 22 milhões em 4 semanas consecutivas, número igual à recuperação de empregos nos 11 anos depois da GCF); Retail sales (-8,7%, sem precedentes); Empire State Manufacturing (-78, o valor mais baixo de sempre).
Os últimos indicadores de confiança dos empresários e consumidores da OCDE ainda não refletem a crise.
Entre o fim de abril e início de maio, as divulgações dos ISM nos EUA, os PMI a nível país e os indicadores de confiança da OCDE darão melhor visibilidade à profundidade do impacte económico.
Fonte: US Jobless Claims 1967-2020, US Department of Labor, 16/04/20
Fonte: US Retail Sales, US Census Bureau, 15/04/20
Fonte: US Empire State Manufacturing, 14/04/20
Políticas económicas
Os responsáveis de política económica de todo o mundo implementaram medidas substanciais de índole fiscal e monetária e financeiro para apoiar as famílias e as empresas afetadas a manter a atividade económica durante a paralisação e permitir que a atividade se normalizasse gradualmente até que as medidas de combate e contenção da pandemia sejam levantadas, com destaque para:
– Os EUA, a FED implementou um programa de Quantitative Easing (QE) inicialmente no valor de $1,47Tr e potencialmente ilimitado (“whatever it takes”) e que o mercado estima em $2.5Tr até junho e $4.5Tr no total (superior aos $3.7Tr do total dos QE anteriores), abrangendo compra desde títulos do tesouro até ETFs de qualidade de crédito especulativa, a par de um programa fiscal do governo de $2Tr (10% do PIB);
– A zona Euro, o BCE lançou um programa de QE no valor de €750Bn, a CE implementou um programa de empréstimos a países de €500Bn sem condicionalismos e os vários governos nacionais desenvolvem programas fiscais de elevado montante de entre 1% até 4,5% do PIB.
As taxas de juro de curto prazo estão negativas na Zona Euro, Japão e Suíça, e em descida nos EUA.
As taxas de juros dos títulos do tesouro a 10 anos estão próximas de zero na Zona Euro, Japão e Suíça, e em descida nos EUA e RU para mínimos históricos.
Prevê-se que as taxas de juros de referência dos bancos centrais se irão manter negativas na zona Euro por um período prolongado e que poderá ir até 2024/2025, e que as dos EUA se mantenham abaixo dos 2%.
Fonte: Bloomberg
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
A nível mundial, apesar da grandeza das políticas económicas, as condições financeiras globais deterioram-se pelo impacte profundo da paralisação da atividade económica
Os riscos geopolíticos atenuaram-se no fim do ano e estão atualmente suspensos pelo risco pandémico
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
Avaliação dos mercados
Os mercados acionistas caíram 30% ou mais desde o início da pandemia até 23 de março, tendo recuperado mais de metade dessa quebra nos EUA e na Europa, com um volume transacionado inferior à média e tendo como base as perspetivas de fim da paralisação da atividade económica até meados de maio e da disponibilidade de soluções médicas para combate ao vírus (tratamento eficaz imediato e/ou vacina entre outubro até à primavera).
Os indicadores de volatilidade nos EUA e Europa atingiram níveis iguais aos da GFC no pico da crise na última semana de março e têm vindo a descer gradualmente.
A incerteza do impacte nos resultados das empresas é muito elevada, tendo a maioria vindo a abandonar as suas perspetivas. A época de resultados do primeiro trimestre que se agora iniciou nos EUA e irá continuar nas próximas 3 semanas (na Europa inicia-se em finais de abril), indicou uma forte constituição de provisões de crédito pelos bancos.
A avaliação do mercado acionista global está acima de longo prazo, mas com grandes diferenças ao nível dos principais mercados. O PER de 17.8x para os EUA está bem acima da média e próximo de máximos, o que é agravado pelo facto de o consenso de resultados estar alto e em constante revisão em baixa. Os PER de 13.1x na Zona Euro, de 12.5x no Japão e de 11.5x nos mercados emergentes estão abaixo da média, mas têm o mesmo enviesamento nas estimativas de resultados do consenso.
O consenso prevê taxas de crescimento dos resultados negativas e no valor de -6,0% para o mercado acionista global em 2020, e de +17% para 2021, baseada numa rápida recuperação a partir da segunda metade deste ano.
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
Fonte: Global Index Briefing: MSCI Forward P/Es, Yardeni Research, April, 15, 2020
Fonte: Global Index Briefing: All Country World MSCI, Yardeni Research, April, 17, 2020
A pandemia teve um enorme impacte nos mercados de crédito com os spreads de risco implícitos a mais do que duplicarem para valores nunca vistos depois da GCF no segmento de qualidade de investimento e com maior preponderância no de especulativo.
As taxas de juro de médio e longo prazo das obrigações do tesouro dos EUA estão em mínimos históricos devido à procura de ativos de refúgio (tal como a subida do preço do ouro).
O spread das taxas de juro implícitas de médio e longo prazo das obrigações soberanas na Europa entre os vários países alargou não só para as economias periféricas, mas também para Espanha e Itália, em linha com uma revisão do outlook pelas agências de rating
Apesar disso há ainda um montante muito elevado de dívida soberana até 1% na Europa, Japão e EUA, em resultado da fixação de taxas de juro negativas pelos bancos centrais e dos fortes programas de compras de ativos.
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
Fonte: Global Financial Stability Report, April 2020
Principais oportunidades
- Antecipação das soluções médicas (tratamento eficaz e/ou vacina) que possibilitem uma mais rápida recuperação económica nos países desenvolvidos.
- Surpresa de maior crescimento económico na China, a manterem-se os sinais positivos de retoma de atividade mais recentes
- Efeito de inflação no preço dos ativos financeiros provocada pela ainda maior intensificação dos esforços das autoridades monetárias (políticas ilimitadas ou quase de “do whatever it takes”)
Principais riscos
- Crescimento inferior ao previsto nas economias avançadas, em 2020 e/ou 2021, devido a um prolongamento da pandemia resultando numa maior paralisação, mais baixo ritmo de reativação ou comportamentos das famílias adversos.
- Reacendimento da crise soberana europeia, mas agora não circunscrita a países periféricos e atingindo também Espanha e Itália, com eventual agravamento do risco de fragmentação europeia
- Agravamento dos desequilíbrios externos e das contas públicas em granes economias emergentes tais como Brasil México e África do Sul, duplamente dependentes do petróleo e outros recursos naturais e do comércio internacional (aumento protecionismo).
- Aumento do entesouramento (“hoarding effect”) com o consequente travão à normalização da atividade económica.