Será que estamos a viver o fim da era do valor ou o início de um novo ciclo?
Os últimos 10 anos têm sido claramente mais favoráveis ao investimento em ações de crescimento. A tal ponto que o nosso enviesamento de memória recente nos faz pensar que foi sempre assim.
No entanto, num artigo anterior vimos que os factos históricos comprovam o contrário, ou seja, que o investimento de valor teve um muito melhor desempenho do que o de crescimento.
Agora a questão é saber o que nos reserva o futuro. Recentemente, nos EUA, assistimos a um ciclo muito longo, muito positivo e muito favorável às ações de crescimento, que se acentuou no ano da pandemia. Será que este ciclo será retomado, ou se teremos, pelo contrário, uma reversão para o valor, e por isso também, para a média?
Recordatório: O desempenho histórico e os ciclos de valorização das ações de valor e de crescimento
É possível identificarmos ciclos de valor e de crescimento ou os padrões ou conjuntos de fatores que favorecem uma estratégia face à outra?
A influência do crescimento do PIB, das taxas de juro e dos preços das mercadorias
Os múltiplos de avaliação nas estratégias de valor e crescimento e as conclusões
Recordatório: O desempenho histórico e os ciclos de valorização das ações de valor e de crescimento
O gráfico seguinte mostra a evolução das diferenças de rendibilidades entre as ações de valor e de crescimento para o S&P 500 entre 1928 e 2019:
É bem evidente que as ações de valor bateram claramente as ações de crescimento, não só com maior frequência de ganhos anuais relativos, mas também com a ocorrência de ganhos anuais mais expressivos (superiores a 20%).
O gráfico seguinte mostra a evolução das diferenças de rendibilidades anuais por períodos de 5 anos entre as ações de valor e de crescimento para um período mais recente, entre 1985 e 2020:
Neste período mais curto e recente já não foi tão evidente o domínio das ações de valor. Houve momentos em que as ações de valor estiveram melhor, sobretudo entre 1985 e 1990 e entre 2000 e 2009, mas houve outros que foram claramente mais favoráveis às ações de crescimento, como os períodos de 1997 a 2000, e entre 2010 e 2020, e fundamentalmente desde 2016 para cá.
O gráfico seguinte que cobre o mesmo período do anterior, mas usando o índice do MSCI World e as diferenças de rendibilidades médias anuais de 10 anos, ainda ilustra melhor a situação:
No seu todo, este período de 35 anos foi claramente mais favorável às ações de valor, se bem que as de crescimento tiveram um desempenho anormalmente superior recentemente e de forma consistente, por um período razoavelmente longo de 10 anos.
O gráfico seguinte mostra a evolução da diferença de rendibilidades médias anuais por períodos de 10 anos para o índice S&P 500 por segmentos de capitalização das empresas:
A década de 1990 foi claramente favorável às ações de crescimento, assim como o período de 2017 até à data, qualquer que seja o segmento de capitalização, para grandes, médias e pequenas empresas. O período entre 2009 e 2017 foi mais favorável para as ações de valor de média e pequena dimensão, enquanto para as grandes empresas isso só se verificou no triénio de 2009 a 2011.
É possível identificarmos ciclos de valor e de crescimento ou os padrões ou conjuntos de fatores que favorecem uma estratégia face à outra? Sim, através do crescimento do PIB, das taxas de juro e do preço das mercadorias
Crescimento do PIB
Há uma ideia mais ou menos generalizada de que as ações de crescimento são mais valorizadas em situações em que o crescimento económico é menor.
O racional é a teoria da escassez que está subjacente a muitos aspetos económicos. Se um bem é escasso o seu preço tende a subir. Por isso, quando o crescimento generalizado ou das economias é fraco, pode presumir-se que os investidores paguem um prémio no investimento nas ações de crescimento em termos relativos.
O gráfico seguinte comprova esta ideia ao mostrar a evolução do índice mais conhecido de valor versus crescimento do S&P 500 entre 1924 e 2020 (chamado de índice HML de Fama French), assinalando no eixo horizontal inferior os vários períodos ou ciclos de crescimento económico:
O índice HML (“High Minus Low”), ou Alto Menos Baixo foi estudado por Fama French e é considerado como um dos três fatores importantes para explicar o desempenho e os preços das ações. “High” ou Alto refere-se a empresas com um elevado rácio de valor contabilístico/valor de mercado. “Low” ou Baixo, refere-se a empresas com um baixo rácio de valor contabilístico/valor de mercado. Este fator é também referido como o “fator de valor” ou o “fator de valor versus crescimento” porque as empresas com um elevado rácio contabilístico-mercado são tipicamente consideradas como ações de valor.
A conclusão é que as ações de valor têm um desempenho inferior às de crescimento quando o crescimento económico é baixo (assim como a inflação e a confiança), confirmando aquela ideia.
No período analisado, as ações de crescimento tiveram 6 ciclos de melhor desempenho face às de valor. O da Grande Depressão, entre 1924 e 1932, quando o crescimento económico médio anual foi e -17%, o da II Guerra Mundial com crescimento médio anual de -3%, os períodos ao longo da década de 50 em que o crescimento foi de 2%, assim como a recessão do início dos anos oitenta e dos anos noventa, a bolha tecnológica de 2000 e a Grande Crise Financeira de 2007-2008, em que a constante foi sempre um crescimento económico mais baixo do que o dos restantes períodos.
Taxas de Juro
As taxas de juro são outro fator importante que influencia o desempenho das ações de valor relativamente às de crescimento.
O gráfico seguinte mostra a evolução relativa das ações de valor comparativamente às de crescimento do índice MSCI World no período de 1977 a 2020:
Vemos que, dum modo geral, quanto mais baixas as taxas de juro das obrigações do tesouro, melhor o desempenho relativo das ações de crescimento.
A explicação económica e financeira é simples.
Como sabemos o valor das ações é calculado descontando os valores dos fluxos de caixa ou “cash-flows” dos anos futuros. Pela própria definição, os “cash-flows” das ações de crescimento são muito mais elevados do que as ações de valor nos anos mais longínquos ou mais distantes e vice-versa (diz-se que compramos crescimento dos “cash flows”).
Sabemos também que a taxa de juro os títulos do tesouro é uma das componentes de base da taxa de desconto desses fluxos de caixa, procurando reproduzir (ou descontar) o valor temporal do dinheiro (“time value”).
Desta forma, quanto mais alta for a taxa de juro, maior o fator de desconto, o qual aumenta exponencialmente com a passagem do tempo por via do efeito capitalização.
Assim, quanto maior for a taxa de juro, maior será o desconto a maior prazo, e menor será o valor atribuído às ações, e vice-versa, sendo maior impacte nas de crescimento do que nas de valor.
Preços das mercadorias
Normalmente, as ações de valor estão associadas a empresas dos setores financeiros, de bens públicos, energia e matérias-primas, entre outros, enquanto os de crescimento estão ligados a telecomunicações, tecnologia e outros, como se pode ver no gráfico seguinte para a composição do índice Russell das 1000 maiores empresas norte-americanas.
Nessa medida, existe uma relação direta e positiva entre o preço das mercadorias e as ações de valor, pelo que o ciclo de desempenho das ações de valor é determinado pelo preço das mercadorias, como se pode ver no gráfico seguinte que mostra o desempenho relativo do índice de MSCI World de valor face a crescimento entre 1977 e 2020:
Verifica-se que quando aumenta o índice de preço das mercadorias aumenta o desempenho das ações de valor relativamente às de crescimento e vice-versa, e que esta relação é muito forte.
Os múltiplos de avaliação nas estratégias de valor e crescimento e as conclusões
Para prevermos qual será o desempenho futuro das duas estratégias de investimento, de valor e de crescimento, não basta tentarmos prever a evolução daqueles 3 fatores, o crescimento do PIB, o comportamento das taxas de juro e os preços das mercadorias. É igualmente importante vermos a evolução dos múltiplos de avaliação as ações de valor e de crescimento.
Iremos ver que nunca o múltiplo de avaliação do preço sobre os resultados por ação esteve tão elevado para as ações de crescimento face às de valor como agora.
O gráfico seguinte mostra a evolução dos múltiplos de preço sobre resultados por ação ou PER do índice MSCI World entre 1975 e 2020:
É óbvio que o PER das ações de crescimento é superior ao das de valor. A diferença entre os PER é bastante estável com exceção dalguns períodos que vale a pena investigar melhor.
Para esse efeito é mais útil vermos o gráfico seguinte que mostra precisamente a evolução da diferença entre os múltiplos de preço sobre os resultados por ação ou PER das ações de crescimento sobre as de valor do índice MSCI World entre 1975 e 2020:
Neste período, a média da diferença dos PER foi de 6x, favorável naturalmente às ações de crescimento. Olhando para o período como um todo, percebem-se facilmente duas coisas muito importantes: 1) Há momentos em que esta diferença se afasta, nalguns casos até para valores extremos; 2) Contudo, esta diferença reverte sempre depois para próximo da diferença média, num prazo razoavelmente curto.
Vendo a evolução com maior detalhe, esta diferença esteve razoavelmente estável entre 1975 e 1996, iniciando então uma subida acentuada até ao pico da bolha tecnológica em que ultrapassou as 20x, quando se pagavam valores e múltiplos de resultados inacreditáveis por ações deste setor.
Com o rebentar desta bolha, as ações de crescimento tiveram fortes quedas, assistindo-se a uma forte descida do valor da diferença que alcançou -10x em 2003 para estabilizar junto à média histórica nos anos seguintes.
Depois veio a Grande Crise Financeira que atingiu com maior intensidade o setor financeiro, um dos principais setores de valor, com a diferença de PER a situar-se em -10X.
Desde então e até à data a diferença de PER tem vindo a subir gradualmente até às 15x, tornando o setor de crescimento mais caro.
Nos gráficos seguintes, vemos os múltiplos de PER das ações de crescimento e valor para dois índices diferentes, o S&P 500, o principal índice norte-americano, e um dos principais índices europeus, o MSCI Europe.
A média deste índice relativo de valor e crescimento nos EUA foi de quase 0,5 entre 2001 e 2020, tendo oscilado entre uma banda de valores de 0,3 e 0,7 correspondentes a dois desvios-padrão.
O investimento de valor esteve em alta entre 2005 e 2008 e 2012 e 2014 enquanto o de crescimento registou valores mais elevados em 2003, 2009 e atualmente (2019/20).
O índice MCSI Europe mostra que as ações de crescimento cotam com um prémio médio de 79% face às de valor entre de 1974 a 2019. Neste período, registou prémios mais elevados das ações de crescimento relativamente às ações de valor na bolha tecnológica de 2000 (155%) e em 2019 (156%).
Em conclusão, em todos estes índices dos principais mercados acionistas mundiais, os PER das ações de crescimento relativamente às de valor estão em valores máximos, tendo subido muito sobretudo nos últimos 3 a 4 anos.
Será que isto quer dizer que numa perspetiva de curto e médio prazo estão caros, no sentido de que esta situação reverterá para a média neste horizonte ou não.
Com certezas, só o futuro nos dirá.
Contudo, a nossa opinião é de que a haver a situação atual terá a natural reversão para a média num horizonte de médio prazo, mas num ciclo de mercado positivo para ambas. Ou seja, consideramos que iremos ter um ciclo mais favorável às ações de valor nos próximos anos, muito embora sem ser à custa das de crescimento.
Dito de outra forma, esperamos uma recuperação das ações de valor, que foram muito atingidas negativamente nos últimos anos, e que a diferença de PER que está situada em 15x se aproxime da média das 6x, sobretudo por crescimento mais forte dos resultados por ação das empresas de valor.
De recordar que nos últimos anos temos vivido baixos níveis de crescimento económico, baixa inflação, baixas taxas de juro e baixos preços da energia e de outras mercadorias.
Todos estes fatores têm prejudicado as ações de valor e beneficiado as de crescimento.
Esta situação acentuou-se com a pandemia.
Todos estes fatores se agravaram, com crescimentos negativos, juros ainda mais baixos e preços de energia reduzidos, a que se somaram as perdas dos setores financeiro e de energia, por um lado, e os ganhos dos setores de telecomunicações e tecnológicos, por outro. A explosão do investimento sustentável verificada em 2020 também aprofundou estas diferenças.
No último semestre de 2020, com a retoma do crescimento económico, a subida da inflação e das taxas de juro, e o aumento do preço das matérias-primas, assistiu-se a um movimento natural de inflexão ou de rotação dos investimentos de crescimento para valor.
Prevemos que esta trajetória de valorização favorável às ações de valor, que só recentemente se iniciou, se irá manter no médio prazo, fazendo reverter a diferença dos múltiplos de avaliação das atuais 15x para a média histórica de 6x, num movimento gradual.
Espera-se que as empresas de crescimento continuem a registar bons resultados por ação, com o crescimento da digitalização, do trabalho remoto, etc. e que a maioria das empresas de valor recupere rápida e significativamente os resultados por ação para os níveis pré-pandémicos.
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