No artigo anterior vimos como evoluíram o PER e o EPS e concluímos com uma simulação das estimativas do valor do mercado:
A encarnado evidencia-se o valor atual do mercado.
Os cenários assinalados a verde são os tidos como mais prováveis para os próximos 3 a 6 meses, que colocam o S&P 500 entre os 3,000 e os 3,840 pontos.
Estes cenários pressupõem a continuação da guerra da Ucrânia, e caso exista, uma recessão suave nos EUA, com taxas de desemprego inferiores a 5%.
Um desfecho negociado e rápido resultaria numa subida expressiva do múltiplo do PER.
Uma recessão profunda, com aumento do desemprego acima dos 5%, resultaria num múltiplo de PER e níveis de EPS inferiores.
Este exercício de avaliação foi publicado inicialmente no último artigo trimestral sobre o desempenho e perspetivas dos mercados financeiros.
Neste artigo iremos medir a sensibilidade do mercado acionista às alterações da taxa de juros.
Noutros artigos, vimos que a política monetária tem um efeito muito importante nos mercados financeiros e que está em curso uma alteração muito significativa dessa política (ou mesmo, a sua inversão).
Num primeiro impacto, a alteração provocou o fim do longo “bull market” das obrigações, e deu origem a um “bear market” inédito das obrigações, que acompanhou o das ações.
Os investidores estão a registar desvalorizações importantes nos seus investimentos, tornando a questão da avaliação dos mercados ainda mais pertinente.
O múltiplo de avaliação do PER do S&P 500 e as taxas de juros das obrigações do tesouro a 10 anos
As taxas de juros influenciam o valor do mercado, sobretudo através do PER.
Sabemos que há uma relação inversa entre as taxas de juro e o múltiplo do rácio preço-resultados ou PER.
Compreender esta relação pode ajudar os investidores a avaliar o valor relativo dos níveis de PER, e se o mercado de ações é barato ou caro.
O valor das ações é o valor atual dos seus cash-flows descontados, ou seja, da soma dos cash-flows anuais gerados pelas empresas divididos pela rendibilidade exigida dos capitais em cada ano.
A taxa de desconto usada é a média ponderada dos custos dos capitais investidos nas empresas pelos dois financiadores, acionistas e obrigacionistas.
Uma maior taxa de juro aumenta a taxa de desconto exigida por qualquer dos dois financiadores, reduzindo, assim, o valor atual dos cash-flows futuros.
Esta relação também se faz sentir de outro modo, pela concorrência dos retornos dos capitais investidos das duas fontes de financiamento.
Os investidores possuem investimentos em ações e obrigações.
Quando as rendibilidades implícitas (“yields”) das obrigações caem, as ações podem parecer mais atrativas, atraindo investidores que estão dispostos a pagar mais.
Como resultado, o S&P 500 tende a ter um PER mais elevado quando as taxas de juro são mais baixas.
Se as taxas de juro subirem, o PER das ações deve descer.
Por outras palavras, só se fala de um PER das ações, mas também existe o PER das obrigações.
Para uma rendibilidade implícita das obrigações de 10%, o PER é de 10. Se essa rendibilidade for de 5%, o PER é de 20. E se for de 3%, o PER é de 33.
Quanto mais baixas as taxas de juros, menores as rendibilidades das obrigações e maior o PER das mesmas.
Nestas condições, os investidores estarão mais dispostos a investir em ações, que possuem mais risco, mas permitem maior rendibilidade potencial.
A rotação dos ativos faz subir o preço as ações e o PER das mesmas.
Assim, há um equilíbrio entre o PER das obrigações e o das ações, cujo diferencial mede o diferente grau de tolerância ao risco dos dois investimentos.
O gráfico seguinte procura estimar o PER para diferentes níveis de taxas de juros, tomando o diferencial médio de 267 pontos base verificado entre as “earnings yield” do S&P 500 e das obrigações do tesouro a 10 anos entre junho de 2003 e março de 2021:
De acordo com estes cálculos, se o diferencial for mais ou menos o mesmo, o PER pode variar entre 28 para rendibilidades implícitas das obrigações do tesouro de 1% e de 15 para rendibilidades implícitas de 4%.
A rendibilidade implícita das obrigações do tesouro a 10 anos está atualmente em 4,2% e evoluiu da seguinte forma nos últimos 20 anos:
É evidente que estes cálculos são uma simplificação.
O diferencial de “earnings yield” entre o S&P 500 e as obrigações do tesouro a 10 anos varia e não se mantém constante no tempo, além de que mesmo que se mantivesse outros fatores influenciam o PER, tais como o sentimento do mercado:
Na verdade, naquele período, este diferencial variou num intervalo entre 1% e 5%.
E esta relação entre PER e diferencial de “earnings” não é exata.
Mas estes cálculos dão uma boa indicação do que está em causa.
E proporcionam também uma boa orientação.
O EPS do mercado
O gráfico seguinte mostra a evolução do valor do índice S&P 500 e dos resultados das empresas desse índice desde 1900:
Há uma relação direta entre as duas variáveis, como seria de esperar, sendo mais evidente em momentos de mudança.
Afinal o valor dos acionistas reside no valor dos resultados distribuídos pelas empresas.
O valor do EPS do mercado é igualmente difícil de estimar.
O melhor que podemos fazer é usar as estimativas do consenso dos analistas do mercado, embora saibamos que são muito variáveis e sujeitas a revisões, mais significativas em períodos de grande incerteza como o atual.
O gráfico seguinte mostra a evolução do EPS do S&P e das estimativas do consenso dos analistas:
Em 2021, o EPS do S&P 500 foi de $208,5, sendo o atual consenso dos analistas de $225 para 2022 e $250 para 2023.
Os analistas reveem regularmente as suas previsões de crescimento dos resultados das empresas em função da evolução das condições económicas e financeiras, como se pode ver neste gráfico:
A estimativa do crescimento do EPS do S&P 500 do consenso dos analistas para 2021 foi subindo desde o final de 2019 até ao fecho do ano.
Em 2020, essa estimativa caiu abruptamente com a irrupção da pandemia, e encetou uma subida na segunda metade do ano pelo efeito das políticas económicas.
As previsões atuais de crescimento de EPS estão estáveis, em cerca de 8%.
A época de apresentação de resultados trimestrais pelas empresas é um bom momento para os analistas atualizarem as suas estimativas, com a informação atual relevante.
Assim, não é de estranhar que um indicador muito seguindo pelos profissionais do mercado quando das apresentações dos resultados trimestrais das empresas seja o das surpresas.
Este indicador mede o valor das diferenças entre os resultados e as estimativas e dá indicações sobre as tendências para o futuro:
Desde o fim das GCF em 2008, as surpresas de EPS têm sido positivas, sendo o valor mais recente superior a 5%.
Nos links seguintes podemos acompanhar a evolução em tempo real dos indicadores referidos:
https://www.currentmarketvaluation.com/models/price-earnings.php
https://www.longtermtrends.net/sp500-price-earnings-shiller-pe-ratio/
https://www.yardeni.com/pub/stockmktperatio.pdf
https://www.yardeni.com/pub/yriearningsforecast.pdf
As pessoas com maiores conhecimentos financeiros que quiserem simular a sua estimativa para o S&P 500 podem fazê-lo nesta folha de cálculo disponibilizada por Aswath Damodaran: