Correções do mercado acionista de entre 10% a 20% são habituais e frequentes OU A anatomia das correções dos mercados acionistas
Os mercados acionistas mostram um desempenho histórico muito interessante, mas não linear
As correções dos mercados entre 10% e 20% são frequentes e muitas vezes profundas e é preciso conhecê-las para estarmos preparados para passar por cima delas
Muitas vezes vivemos e sentimos as crises pela mira do conceito de “drawdown”, o que tem as suas vantagens, mas também inconvenientes
Como devemos atuar nas correções? Não devemos ir atrás do mercado, e devemos manter o rumo e fazer o rebalanceamento
A definição de correções dos mercados acionistas é de situações em que aquele mercado desvaloriza entre 10% e 20% desde o seu pico ou nível máximo anterior, também chamadas de correções técnicas. Quando o mercado acionista regista uma perda superior a 20% diz-se que estamos perante um ciclo negativo, uma crise ou um “bear market”.
Como veremos, as correções do mercado acionista são habituais, normais e frequentes. Sucedem todos ou quase todos os anos, algumas mais do que uma vez por ano.
Para procurar traduzir isto, escolhemos propositadamente a imagem de uma corrida de 3.000 metros obstáculos.
Investir nos mercados acionistas é como uma corrida de média distância e com obstáculos. Não é uma corrida de 100 metros, ou de explosão. Também não é uma corrida com barreiras, que são fasquias previsíveis, pois são todas iguais, têm todas a mesma altura, estão à mesma e cada atleta corre na sua pista. Como também não é uma corrida de 10,000 metros e muito menos uma maratona, pois não é preciso correr distâncias tão longas para se chegar à meta, que são os nossos objetivos financeiros.
Os mercados acionistas mostram um desempenho histórico muito interessante, mas não linear
No gráfico seguinte podemos ver a evolução de 1 dólar investido no mercado acionista norte-americano (dado pelo índice S&P 500) entre 1870 e 2020, em termos reais ou de poder de compra, e em escala logarítmica que significa que cada intervalo equivale a uma duplicação do valor:
Esse dólar investido há 150 anos ou 5 gerações atrás, pelos nossos trisavós, tetravós ou “…avós”, teria resultado em mais de 15 mil dólares em março de 2020, no nível mais baixo provocado pela pandemia, depois de ter atingido um máximo de 19 mil dólares, em termos de poder de compra.
A riqueza real criada é enorme: mais de 15,000 vezes em 150 anos. Equivale a uma rendibilidade real anual de 6,5% ao ano (rendibilidade nominal de 9% ao ano deduzida de uma taxa de inflação média anual de 3%).
Este valor de 6,5% parece uma evolução quase linear, mas não é (aliás até é conhecida pela constante de Siegel).
De facto, houve e há avanços e recuos. Há períodos positivos e há negativos. Há ciclos longos, médios e curtos. Há períodos de grande expansão ou criação de riqueza, como o de 1870-1910, 1919-29, 1950-70, 1985-2000 e 2009-2020, como também há períodos de grandes quedas, como a Grande Depressão de 1929, a bolha tecnológica de 2000 e a Grande Crise Financeira de 2007.
Embora seja mais difícil de detetar, há muitos mais períodos de subidas mais moderadas e de descidas menos acentuadas.
As correções dos mercados entre 10% e 20% são frequentes e muitas vezes profundas e é preciso conhecê-las para estarmos preparados para passar por cima delas
O gráfico seguinte mostra 27 das 28 correções ocorridas desde a II guerra mundial até à data (falta a recente de março de 2020 ligada à crise do coronavírus):
Foram 26 correções que em média registaram uma desvalorização de 13,7%. Tiveram uma duração média de 4 meses e foram também recuperadas em 4 meses, em média.
A tabela seguinte mostra estas crises em maior detalhe no período de 1965 a 2018:
A maior parte das crises duram menos de 3 meses, e só houve uma muito prolongada, a de outubro de 1987 de quase 9 meses. As quedas são maioritariamente de 10% a 12%.
Para procurarmos compreender melhor estas situações o gráfico seguinte mostra a evolução do S&P 500 e do indicador avançado ISM no período de 1962 a 2020:
São correções que não estão ligadas a recessões económicas, pois estas dão lugar a grandes crises, a ciclos negativos ou “bear markets”, com descidas mais acentuadas.
Estão normalmente associadas a eventos exógenos, como choques das mercadorias – petróleo e ouro – ou eventos de mercado – alterações de política económica, descidas de rating, etc. – e coincidem com desaceleração da atividade económica evidenciada pela queda do ISM.
Muitas vezes vivemos e sentimos as crises pela mira do conceito de “drawdown”, o que tem as suas vantagens, mas também inconvenientes
O conceito de “drawdown”, medido como o desvio negativo entre um pico e o nível mínimo seguinte, e associado a perda máxima potencial é bastante útil para prepararmos, planearmos e para estabelecermos a nossa alocação central dos investimentos, sendo um bom teste à tolerância ao risco e definidor do perfil do investidor.
Contudo, é um mau indicador para vivermos as crises porque pode tornar-se obsessivo e desestabilizador. Durante as crises muitas vezes fazemos cálculos em tudo semelhantes aos do “drawdown”, ou seja, quanto perdemos desde o ponto mais alto do mercado. Este valor sobrepõe-se muitas vezes ao da perda ou mesmo menor ganho efetivo. Não haveria nenhum mal com isso desde que aqueles valores fossem também considerados. Acresce que raramente fazemos os cálculos aos ganhos potenciais máximos. Isto faz com que sintamos mais as perdas do mercado do que os ganhos, afastando-nos dele.
Por definição, os ganhos ou perdas potenciais são realidades virtuais. O que importa são os ganhos e as perdas reais.
O gráfico seguinte mostra a evolução desde 1926 até hoje:
Destacam-se as fortes desvalorizações de mais de 80% na Grande Depressão, de quase 60% na Grande Crise Financeira e de quase 50% na bolha tecnológica. O “drawdown” médio foi de 28,8%. Raramente ultrapassou os 30% que marca os “bear market”. Contudo, os “drawdowns” de 10% a 20% são muito frequentes.
Em termos gráficos, é preciso ter-se presente que cada vez que a linha toca no eixo horizontal é porque existe um “drawup”, ou valorização partindo do nível mínimo que foi inteiramente recuperada e ultrapassada.
É impossível gerirmos as correções pois não só são inúmeras, frequentes, sem padrão e imprevisíveis, e mais importante, ocorrem em momentos de mercado em ciclo positivo
O gráfico seguinte mostra as valorizações anuais e as maiores desvalorizações intra-anuais verificadas pelo S&P 500 entre 1980 e 2020:
Este gráfico ajuda a pôr o de “drawdowns” em perspetiva, além de permitir outras conclusões.
São várias as ocasiões em que as perdas máximas do mercado durante um dado ano atingem mais de 10%, mas no final do ano o mercado termina com rendibilidades positivas, nalguns casos até bastante positivas e superiores a 20%. Uma volatilidade intra-anual com esta dimensão e frequência é impossível de prever e antecipar.
O gráfico seguinte evidencia as rendibilidades anuais, assim como as maiores valorizações e desvalorizações intra-anuais, do índice S&P 500 entre 1979 e 2020:
Não só são várias e significativas as recuperações das desvalorizações intra-anuais, como podemos ter valorizações muitíssimo elevadas durante esses anos. Os anos de 2009 e de 1980 são extremos, mas são bem ilustrativos desta realidade.
Além de ser impossível prever as correções, a perda dos melhores dias de mercado tem um enorme custo.
O gráfico seguinte mostra qual o efeito de se perder alguns dos melhores dias do mercado num investimento de 100,000 dólares no S&P 500 nos últimos 30 anos:
Recorde-se que 30 anos são 7,830 dias úteis, de transação de bolsa.
Se estivéssemos investidos o tempo todo, o capital acumulado ao fim de 30 anos seria de 1,727 mil dólares. A perda do melhor dia de valorização teria reduzido aquele valor em 175 mil dólares ou 10%. No entanto, a perda dos 10 melhores dias do mercado teria cortado a metade o capital acumulado, e a perda dos 15 melhores dias representaria um corte para quase 1/3. Mais gravoso ainda, deixar passar os 25 melhores dias seria perder 75%, e se tivessem sido os 50 melhores dias, o capital seria menos de 10% do que resultaria se estivéssemos sempre investidos. Num caso extremo, a perda dos 100 melhores dias do mercado resultaria num capital acumulado de 25 mil dólares, isto é, numa perda efetiva e grande do capital investido, de cerca 35%.
E se bem que, por um lado, seja preciso ter muito azar para falhar sempre os melhores dias, também é importante termos presente que mesmo os 100 dias são somente 1,2% dos dias totais.
Para agravar a situação, os melhore dias de valorização surgem normalmente no meio das crises, em particular, das grandes crises.
O gráfico seguinte mostra as valorizações diárias registadas no S&P 500 entre 1950 e 2020:
Os dois melhores dias do mercado, com 10% ou quase de valorização, ocorreram no pleno das grandes crises 1968 2 2008. Também é fácil vermos que as valorizações superiores a 4% sucederam normalmente em períodos de crise.
Não é de estranhar que nos períodos de crise, a volatilidade dos mercados seja muito elevada. Esta incerteza constitui mais uma razão para ser muito difícil prever e sobretudo gerir os tempos das grandes correções.
Como devemos atuar nas correções? Não devemos ir atrás do mercado, e devemos manter o rumo e fazer o rebalanceamento
Sendo assim coloca-se a questão de como devemos atuar perante as correções.
Começamos por ver o que não devemos fazer e que infelizmente é o que se faz: ir atrás do mercado, ou seja, vender em baixa e comprar em alta.
O gráfico seguinte apresenta os fluxos líquidos de investimento médios a 12 meses no índice S&P 500 (em barras) e as rendibilidades do mesmo índice a 12 meses (em linha):
Quando o mercado caiu em 2008 os investidores foram vendendo cada vez mais com o acentuar das perdas. As vendas líquidas prosseguiram ao mesmo ritmo até 2011 e com os mercados já em boa recuperação. Estas vendas acentuaram-se quando as rendibilidades diminuíram temporariamente em 2012, e mantiveram-se até 2014, apesar do regresso a bons níveis de rendibilidade. Só a partir desse ano é que as compras líquidas surgiram, e de forma ainda tímida, 5 anos após o termo da crise. O regresso do investimento aos mercados deu-se só em 2017, só após 8 anos de fortes valorizações do termo da Grande Crise Financeira.
Vemos que a generalidade dos investidores vende depois do mercado cair muito, e compra depois de subir muito. Vende a níveis baixos e compra a níveis altos. É o contrário de uma boa estratégia.
Esta realidade é o resultado de vários enviesamentos comportamentais, como a aversão à perda, a atualidade ou memória recente, o efeito manada, o ruído dos media, etc… que são muito difíceis de reconhecer e combater.
A forma de evitarmos estas situações é delinearmos um bom plano financeiro e com base numa correta perceção das oportunidades e dos riscos dos investimentos e do nosso perfil de investidor. Se estivermos conscientes de que preparámos e pensámos bem os investimentos, é mais fácil percebermos e agirmos nestas situações.
A ação que devemos tomar perante as correções é de validar a nossa decisão de alocação diversificada de ativos, e manter o rumo fazendo o rebalanceamento.
O gráfico seguinte procura tipificar a importância de uma boa alocação diversificada de ativos e de manter o rumo com rebalanceamento:
A situação mostra o desenvolvimento duas estratégias de investimento de um capital investido de 10,000 dólares entre setembro de 2007 e setembro de 2019, uma de 100% em ações e outra de 60% em ações e 40% em obrigações, com rebalanceamento trimestral.
No fim do período, o resultado das duas estratégias seria o mesmo, um capital de 17,000 dólares, ou uma valorização de 70%. Contudo, a estratégia de diversificação de 60%/40% em ações e obrigações, respetivamente e com rebalanceamento, teria tido uma menor volatilidade do que a de 100% em ações.
Vemos também quais seriam os resultados de tentar gerir os tempos na estratégia de investimento de 100% face às flutuações do mercado. Caso se tivesse vendido a totalidade da carteira no nível mínimo e reinvestido um ano depois, o capital final seria de 12,000 dólares. E caso de tivesse feito uma rotação para obrigações no nível mínimo e regressado à alocação inicial após a recuperação integral do mercado acionista, o capital final seria de 8,000 dólares, inferior aos iniciais 10,000 dólares.
Perante uma crise o que devemos fazer é o que deve ser feiro sempre, o rebalanceamento. Obviamente que numa crise o rebalanceamento ainda se torna mais importante.
Não podemos deixar alterar excessivamente a alocação de ativos ou investimentos sobretudo em face de grandes oscilações dos mercados. O rebalanceamento deve ser feito periodicamente, preferencialmente uma vez por ano, e sempre que a composição das duas principais classes de ativos, ações e obrigações se afaste do nível de tolerância de 5% ou 10% da alocação inicial estabelecida.
O gráfico seguinte elaborado pela UBS mostra o efeito do rebalanceamento numa carteira de investimentos de 60% ações do S&P 500 e 40% de obrigações do tesouro entre 2007 e 2017 para um nível de tolerância (ou drift” de 5%):
Neste caso, o rebalanceamento é feito sempre que a alocação de 60/40 de desvia além de 5 pontos percentuais em termos absolutos.
O gráfico seguinte mostra o impacte do rebalanceamento no desempenho da carteira:
O rebalanceamento tem um efeito claramente estabilizador ou amortecedor do risco das grandes crises. Neste caso, proporcionou até um melhor desempenho, embora esse não seja o seu objetivo e nem sempre aconteça. A sua função é reduzir o risco. E fá-lo através da prossecução de uma estratégia de investimento ganhadora, comprando mais barato e vendendo mais caro!