Este artigo integra uma série sobre os portfolios simples, que são portefólios que podem ser constituídos por poucos ativos e investimentos, nalguns casos apenas dois.
No primeiro artigo fizemos uma apresentação geral da série e explicámos porque é que estes portefólios simples são muito interessantes para os investidores individuais.
Estes portfólios, apesar de muito simples, contêm os elementos essenciais de rendibilidade, de risco, diversificação e alocação, para um bom desempenho a médio e longo prazo.
Na primeira parte deste segundo artigo abordámos as caraterísticas do portefólio tradicional 60/40, a quem se destina e o seu desempenho histórico, mostrando porque é que se trata do portefólio mais usado pelos investidores individuais para toda a vida.
Agora veremos quais as suas vantagens e limitações e como podemos contruir facilmente o nosso portefólio 60/40 com os produtos de investimento disponíveis.
Quais as vantagens e limitações do portefólio tradicional 60/40?
Como podemos concretizar o portefólio 60/40?
A estimativa das rendibilidades a médio e longo prazo para o portefólio tradicional 60/40
Quais as vantagens e limitações do portefólio tradicional 60/40?
A principal vantagem é a combinação de retornos sólidos com menos volatilidade, como vimos anteriormente, o que tem sido ideal para muitos investidores de todas as idades, incluindo os reformados.
O portefólio tradicional de 60% ações e 40% de obrigações destina-se a resolver os objetivos duplos de valorização de capital a longo prazo e preservação de capital.
E estas carteiras equilibradas têm tido um bom desempenho ao longo dos anos.
Quando comparado com uma carteira de 100% em ações, a carteira 60/40 destaca-se pelo seu excelente crescimento e moderada volatilidade.
Isso não quer dizer que não seja volátil, mas as suas oscilações são significativamente menores do que a carteira de 100% em ações.
Desde 1972, uma carteira de 60/40 teve uma taxa de rendibilidade média anual de 9,61%.
Estes retornos são inferiores a uma carteira de ações a 100%, que gerou 10,75% no mesmo período.
No entanto, o que é notável, é a volatilidade.
O desvio padrão de uma carteira de 60/40 foi de apenas 9,51%, enquanto a carteira de ações ficou em 15,25%.
Para termos estas diferenças em perspetiva, o pior ano para uma carteira de 100% de ações durante este período foi de -37,5%, contra apenas -16,9% da carteira de 60/40.
Ao mesmo tempo, a pior desvalorização para a carteira só de ações foi de quase -51%, contra -28% para o portefólio 60/40.
No entanto, alguns críticos começaram a questionar a popularidade desta abordagem básica ao investimento com a série de crises de mercados dos anos 2000, juntamente com taxas de juro historicamente baixas.
Recorde-se que na chamada década “perdida” de 2000, a carteira de 60/40 gerou um fraco retorno anual de 2,3% e os investidores teriam perdido valor se ajustarmos à inflação.
Mais recentemente, têm sido apresentados argumentos que decorrem dos tempos financeiros sem precedentes que vivemos atualmente e que são os seguintes.
Em primeiro lugar, terminou o ciclo de queda das taxas de juros e muito positivo das obrigações dos últimos 40 anos, como analisámos num artigo.
Segundo, as avaliações do mercado de ações estão ainda muito elevadas e existe uma grande concentração nas mega capitalizações, como temos vindo a analisar nos últimos outlooks trimestrais.
Terceiro, a correlação negativa dos últimos 30 anos entre ações e obrigações está a dar sinais que pode estar a terminar.
Por último, cada um destes fatores é agravado pela alta inflação atual, como vimos noutro artigo.
Alguns estes críticos usam as acentuadas desvalorizações deste portefólio este ano, de quase 20%, para sustentarem o seu argumento
O que estes críticos consideram é que já não é possível confiar só em ações e obrigações para obtermos rendimento, crescimento, proteção contra a inflação e preservação.
Por isso, defendem que uma carteira bem diversificada deve incluir mais classes de ativos do que apenas ações e obrigações.
Os críticos consideram que para que a carteira de investimento seja adequadamente diversificada terá de conter investimentos alternativos, tais como imobiliário, infraestruturas, “private equity”, capital de risco, fundos de retorno absoluto, metais preciosos, mercadorias e colecionáveis.
Um dos exemplos mais referidos tem sido a política de gestão do fundo da fundação da Universidade de Yale.
A nossa opinião é diferente.
Apesar de considerarmos que mais diversificação é preferível a menos, entendemos que este portefólio de apenas dois ativos tem servido tão bem os investidores durante quase 100 anos e irá continuar a fazê-lo, como vimos anteriormente.
Não só impressiona a alta rendibilidade do portefólio, mas sobretudo a sua baixa volatilidade relativa:
A volatilidade média do portefólio 60/40 a três anos é é inferior a 10%, enquanto a da carteira 100% ações se situa acima de 15%, ou seja menos um terço.
E a rendibilidade não fica muito distante.
https://blog.pimco.com/en/2020/12/the-60-40-portfolio-is-alive-and-well
Consideramos que o portefólio tradicional 60/40 continua a ser muito válido e interessante, sendo porventura o portefólio de dois ativos, ou de só dois investimentos, mais atrativo.
A sua simplicidade de compreensão, execução e gestão e a facilidade de implementação para qualquer investidor são ímpares.
Por outro lado, em contestação do tema do mau desempenho no corrente ano, o processo de ajustamento em curso levou as taxas de juros sem risco para níveis de 4%, próximos da média histórica, e as avaliações do mercado acionista também já se aproximam da média histórica, com o PER do S&P a cair de 24x para 18x (média de 16x).
Isto sugere que é provável que os retornos interessantes do passado possam vir a observar-se no futuro.
A situação atual de rendibilidades negativas nas ações e obrigações é anormal e extraordinária:
Além do corrente ano, só se verificou de forma tão acentuada com a inflação galopante de 1969, a entrada dos EUA na 2ª GG em 1941 e o abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha em 1931.
Dum modo geral, ambos os ativos apresentam boas rendibilidades anuais, e quando tal não sucede o bom desempenho de um deles compensa o pior desempenho do outro.
Nestes termos, em vez de abandonarmos a alocação 60/40 (ou outras combinações de pesos que veremos noutros artigos), os investidores podem usá-lo como o portefólio nuclear ou core numa construção de carteira core/satélite.
Os satélites seriam os investimentos nas restantes classes de ativos.
Entendemos que aquela questão de diversificação por investimentos alternativos faz mais sentido para patrimónios de valor muito elevado.
Por exemplo, para as famílias afluentes ou ricas (os “High Net Worth Individuals” ou HNWI, com patrimónios superiores a 1 milhão de dólares, e sobretudo os Ultra High Net Worth Individuals” ou UHNWI, com patrimónios superiores a 30 milhões de dólares).
A seleção destes investimentos é muito mais exigente em termos de conhecimentos e experiência, além de que o acesso aos melhores fundos e sociedades gestoras pode estar limitado a capitais mais elevados.
Estes agregados familiares mais afortunados podem recorrer a serviços de consultores financeiros muito especializados na seleção destes investimentos satélite e têm capacidade financeira para poderem aceder aos melhores investimentos desta categoria.
Como podemos concretizar o portefólio 60/40?
A construção deste portefólio é muito fácil, sendo uma das suas principais vantagens.
A componente de ações do portefólio deve ser feita num único fundo de investimento de ações muito diversificado e representativo do mercado global, seja do mercado mundial, ou do mercado norte-americano enquanto o maior mercado acionista do mundo, e em dólares.
A componente de obrigações do portefólio deve ser realizada num único fundo de obrigações muito diversificado e representativo do mercado de obrigações de rating de qualidade de investimento (igual ou superior a BBB-) da moeda do investidor, e nessa mesma moeda.
Com apenas dois investimentos, construímos o nosso portefólio tradicional 60/40.
Se o investidor for norte-americano, o fundo deve ser de obrigações norte-americanas de rating de qualidade de investimento (“investment grade”) e em dólares.
Se for da zona Euro, as obrigações devem ser em euros, do mesmo rating, e se for inglês em obrigações em libras esterlinas com idêntico rating.
Noutros artigos, que integram a Série Best of Fundos de Investimento, abordamos alguns dos fundos das maiores sociedades gestoras mundiais, de maior dimensão em cada uma destas categorias, com baixos custos e com boas rendibilidades absolutas e relativas.
Os fundos de ações para os investidores norte-americanos compreendem fundos passivos ou indexados e os fundos ativos de maior dimensão.
Relativamente aos fundos de obrigações para esses investidores norte-americanos também se incluem os fundos passivos e os maiores fundos ativos.
Os fundos de ações para os investidores de fora dos EUA podem ser fundos passivos ou indexados e os fundos ativos de maior dimensão.
Relativamente aos fundos de obrigações para esses investidores de fora dos EUA também se incluem os fundos passivos e os maiores fundos ativos.
Nos links seguintes podemos simular as rendibilidades do portefólio com várias composições de fundos de investimento:
https://www.portfoliovisualizer.com/backtest-asset-class-allocation
A estimativa das rendibilidades a médio e longo prazo para o portefólio tradicional 60/40
Discordamos das vozes críticas que têm vindo a considerar que o portefólio tradicional 60/40 perdeu utilidade, e mais ainda das afirmações extremistas de alguns que o dão como morto.
Pelo contrário, consideramos que o portefólio continuará a proporcionar uma boa combinação de rendibilidade e risco, mantendo-se como o portefólio mais adequado para a maioria das famílias.
Recentemente o JP Morgan Asset Management (JPM AM) e a Vanguard publicaram dois documentos que validam a nossa opinião.
O JP Morgan AM publicou recentemente as suas previsões de rendibilidades dos principais ativos a médio e longo prazos (10 a 15 anos), concluindo no seguinte:
O JPM AM considera que a turbulência de 2022 trouxe previsões de retorno de ativos próximas do equilíbrio a longo prazo.
Por isso conclui que o 60/40 pode, mais uma vez, formar a base para as carteiras, com alternativas que ofereçam alfa, proteção da inflação e diversificação.
Ou seja, uma vez que ultrapassada a atual turbulência do mercado, os investidores terão mais margem para atingir os objetivos de retorno da carteira a longo prazo.
A Vanguard é um pouco mais conservadora, estimando que o portefólio 60/40 proporcionará rendibilidades anualizadas nos médio e longo prazos entre 5% e 6%, ao considerar retornos esperados de 4,7%-6,7% em ações e de 4,1%-5,1% em obrigações de rating “investment grade”.
A Vanguard recorda ainda que a rendibilidade média anual verificada entre 1926 e 2021 foi de 8,8% e que a perda dos 12% em 2022 significa que a média dos últimos 4 anos foi de 7%, na medida que a rendibilidade entre 2019 e 2021 foi de 14,3%.